“A minha postura frente ao que ocorreu no Supremo Tribunal Federal foi um ato de dignidade”, disse Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa do governo Lula, ao comentar o episódio no qual o ministro Alexandre de Moraes ameaçou prendê-lo, durante uma sessão na Corte para tratar de uma suposta trama golpista para manter Bolsonaro no poder. Na ocasião, Rebelo tentava explicar ao juiz do STF uma frase atribuída ao então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, que teria sido dita em um encontro com Bolsonaro, no Alvorada. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), na suposta reunião golpista, o militar teria dito que as tropas estariam à disposição do presidente da República.
Conforme Rebelo, a expressão é comum no meio militar e não significa romper com a ordem. Ainda de acordo com ele, não haveria condições de a Marinha promover uma tentativa de ruptura institucional, visto que não tem efetivo para isso. “A possibilidade de a Marinha liderar um golpe de Estado inexiste, porque não dispõe dos meios materiais para exercer o controle do território”, constatou, ao mencionar que a Força tem outros responsáveis pela mobilização das tropas, sendo o comandante um mero . “A Polícia Federal não investigou toda essa cadeia de comando, o que demonstra que a frase de Garnier é apenas uma força de expressão bastante comum.”
Por isso, o ex-ministro entende que toda a história do golpe serve apenas para tirar Bolsonaro da corrida eleitoral. “Há um objetivo político, que é afastá-lo”, disse. “Como é que esse objetivo será alcançado? Na minha opinião, convertendo a baderna do 8 de janeiro em uma tentativa de golpe.” Dessa forma, o ex-ministro entende que uma anistia aos manifestantes pacificaria o país. “O presidente Lula, infelizmente, não está voltado para isso, pois ele saiu da prisão muito atormentado”, afirmou Rebelo. “O governo dele é uma tragédia e um grande fracasso, pois não consegue encontrar soluções para muitos problemas do nosso país.” Confira a seguir os principais momentos da entrevista.
Durante uma audiência no STF, o senhor recebeu ameaça de prisão do ministro Alexandre de Moraes. Qual é sua avaliação do episódio?
O ato dele reflete o atual ambiente político, que naturalmente contamina todos os agentes públicos, inclusive os ministros do STF. Não levei a ameaça a sério porque não havia motivos para isso. Respondi apenas da maneira que achava adequada. Moraes fez a pergunta mesmo sabendo que eu não estava presente na dita reunião com os comandantes das Forças Armadas, na qual o suposto golpe teria sido tramado. O ministro me interpelou só para dizer, em seguida, que eu não poderia interpretar a frase atribuída ao almirante Garnier, segundo a qual “as tropas estavam à disposição” do então presidente da República, Jair Bolsonaro. Naturalmente, eu disse que a interpretação era minha e que não aceitava ser censurado por ninguém. Não cometi nenhum desacato às autoridades. A minha postura frente ao que ocorreu no Supremo foi um ato de dignidade.

No depoimento, Moraes interrompeu a exposição que o senhor fazia para explicar essa frase atribuída ao almirante Almir Garnier. O que a declaração significa?
“Estar à disposição” significa subordinação ao seu comando. No caso, do comandante da Marinha ao presidente da República, o chefe supremo das Forças Armadas. Isso é óbvio e lógico. Acho que, por não entender essa situação, o procurador-geral da República atrapalhou-se na pergunta. E, depois, até reconheceu que teria se atrapalhado ao proferir uma frase que eu nem quero repetir.
O PGR interpelou o senhor a respeito da possibilidade de a Marinha, sozinha, dar um golpe de Estado. Isso é possível?
A possibilidade de a Marinha liderar um golpe de Estado inexiste, porque a Força não dispõe dos meios materiais para exercer o controle do território. A Marinha concentra seu poder em uma única cidade: o Rio de Janeiro. Ela possui uma esquadra composta de alguns navios e submarinos e o Corpo de Fuzileiros Navais. Tudo isso não permite liderar uma ruptura institucional. Além disso, a mobilização de toda essa força a por uma cadeia de comando. Rigorosamente, o almirante que chefia a Marinha exerce um comando istrativo. A tropa, de fato, está nas mãos dos comandantes de Operações Navais, de Esquadra, de Submarinos, de Força de Superfície e de Fuzileiros Navais. A Polícia Federal não investigou toda essa cadeia de comando, o que demonstra que a frase de Garnier é apenas uma força de expressão comum entre os militares.
O que o senhor pensa da denúncia oferecida pela PGR sobre o que seria uma tentativa de golpe de Estado?
Há um objetivo político: afastar da próxima eleição presidencial o ex-presidente Jair Bolsonaro. Como é que esse objetivo será alcançado? Na minha opinião, convertendo uma baderna em tentativa de golpe. Como estão tratando o 8 de janeiro dessa forma, então vai-se em busca do “cabeça”. E é assim que se tenta envolver o ex-presidente. Golpe é coisa séria. A ruptura da ordem exige uma série de elementos, além dos apoios político, institucional, partidário, militar, econômico, social, intelectual e da mídia. Em 1964, esse roteiro todo foi cumprido à risca. Os atos de 2023 am longe dos requisitos que enumerei.
Como o senhor vê as articulações do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para o governo dos Estados Unidos sancionar Moraes e outras autoridades brasileiras?
Antes de mais nada, não acho razoável um deputado ser processado pelo STF por ter se colocado na posição de articulador de interesses ou convicções. A ponderação que faço é a seguinte: a interferência americana ocorreu no ado contra o governo Bolsonaro. Autoridades daquele país visitaram o Brasil em vários momentos. Em 2021, salvo engano, o diretor da CIA veio exigir que as urnas eletrônicas e o processo eleitoral fossem respeitados. O Brasil não pode aceitar a interferência de outro país nos seus assuntos internos. Não deveria ter aceitado antes ou repetir agora. Precisamos resolver nossos dilemas. Se o STF está abusando, e acho que sim, tem que ser tratado aqui. Não podemos dar a outro país o direito de extraterritorialidades.

O senhor diz que o Supremo abusa dos próprios poderes. Vivemos uma democracia plena?
Formalmente, sim, por termos uma Constituição, um Parlamento funcionando e a imprensa agindo. Agora, tudo isso ocorre em um ambiente de profundo desequilíbrio na relação entre os Poderes. Temos tido, principalmente por parte do Poder Judiciário e das corporações que giram em torno dele, um comportamento que extrapola qualquer tipo de equilíbrio. Hoje, pode-se processar um deputado, cassar o mandato dele e até prendê-lo no exercício do mandato em virtude de crime de opinião. Acho que é uma coisa completamente absurda. A situação na qual vivemos tem de ser enfrentada o quanto antes e, sobretudo, bem modificada.
O senhor apoia a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro?
O Brasil é um país de tradição de anistia. Demos perdão aos integrantes da guerra civil mais violenta do Brasil, que foi a dos Farrapos. Dom Pedro II adotou a anistia como caminho para a pacificação daquele conflito violentíssimo, com degolas de parte a parte. Em 1946, Vargas assinou uma anistia que tirou da cadeia todos os adversários dele que estavam presos, tanto os comunistas que tentaram derrubar o governo em 1935 quanto os integralistas que fizeram o mesmo em 1938. Juscelino Kubitschek fez o mesmo. Depois dos levantes de Jacareacanga e Aragarças, ele imediatamente mandou libertar os amotinados, perdoou e reintegrou militares às Forças Armadas. Já Lula, que assumiu o governo diante de um país dividido, deveria ter adotado um gesto de pacificação. O presidente, infelizmente, não está voltado para isso, pois ele saiu da prisão muito atormentado. E a pacificação não era exatamente o que ele buscava. Vira um prejuízo para o governo dele e para o país. Por isso vivemos essa situação.
E como o senhor avalia o governo Lula?
Uma tragédia e um grande fracasso, pois não consegue encontrar solução para os problemas do país, principalmente para o mais importante deles, que é o caminho que conduz ao crescimento. Começou o ano contingenciando o Orçamento e vai terminá-lo com um ajuste fiscal pela despesa, porque não consegue ter dinheiro para pagar o custeio. Agora, dentro da crise das universidades, temos uma situação mais periclitante ainda. O governo está totalmente desorientado. Não tem sequer base parlamentar e votou contra a lei de licenciamento ambiental que o beneficiaria. É uma istração perdida.

O senhor disse que o governo não tem base parlamentar de maneira geral. Como o senhor avalia o papel do Congresso Nacional hoje?
O Congresso é uma instituição municipalista. Cada deputado cuida do seu município ou, no máximo, de uma área de alguns municípios que garantem sua eleição. O deputado não tem uma agenda nacional, nem mesmo uma agenda estadual. É assim que funciona o Brasil. Formalmente, o Congresso é nacional, mas, na prática, cada parlamentar cuida de sua base eleitoral. Sem uma liderança que organize uma agenda nacional, o deputado espontaneamente não vai cuidar disso. Por isso é preciso que o Congresso tenha uma agenda nacional. Mas já é difícil o Congresso ter essa agenda se o Executivo não propõe uma. Quem tem a obrigação de propor agenda é o Poder Executivo, que tem a responsabilidade efetiva de governar.
O que o senhor propõe para mudar esse ambiente hostil entre os Poderes?
Uma emenda à Constituição que converta o STF em um Tribunal Constitucional. Que as demais matérias estejam destinadas à terceira instância real do Judiciário, que é o Superior Tribunal de Justiça.
Qual é a opinião do senhor sobre o impeachment de ministros do Supremo?
Não considero razoável. Não se resolve o problema dessa forma. Se for promovido o impeachment de um ministro do Supremo, quem vai indicar o substituto? O presidente Lula. Sim, o mesmo governo. Então não há solução. O que precisa ser feito é modificar as normas constitucionais e infraconstitucionais que hoje concentram esse poder no STF. A Corte deve ser constitucional, e não um tribunal de todas as causas, como é hoje. O STF virou o tribunal da democracia, dos direitos da mulher, das minorias e até do meio ambiente. Por isso a Constituição deixou de ser referência, em detrimento das causas universais.
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Lúcido, coerente e imparcial.
Aldo Rebelo deveria ser o espelho para a maioria dos políticos brasileiros.
Parabéns Aldo Rebelo pela sensatez. É meu conterrâneo, de Alagoas.
Aldo Rebelo é um exemplo de democrata patriota que não se curvou ao imperador do Brasil. Só li verdades na sua entrevista aqui. Ppor isso tem meu respeito.
Excelente entrevista!
Há tempos vi uma entrevista do ex. Ministro Aldo Rebelo sobre a Amazônia. Soube então que ele é um grande conhecedor da região, do dos povos ribeirinhos e indígenas. ei a ira-lo. Agora depois do episódio com o Imperador tem todo o meu respeito. Honesto, inteligente, culto e racional. Um patriota, amante do seu país.
Com essa clareza de raciocínio politico como pôde Aldo Rebelo ser ministro de Lula e Dilma e por longo tempo ligado ao PCdoB?. Parabéns ministro por sua coragem que demonstra criticar essa atual esquerda brasileira e apoiar a centro direita.
irável como uma pessoa racional e honesta consegue ver a realidade além da ideologia e da paixão cega!
irável como uma pessoa racional e honesta consegue ver a realidade além da ideologia e da paixão cega!
“O STF virou o tribunal da democracia., dos direitos da mulher,das minorias e até dommeio ambiente.Por isso a Constituicao deixou de ser referencia, em detrimento das causas universais”.
Brilhante essa definicao do Aldo Rabelo.
Depoimento muito contraditório. com as
Alexandre de Moraes sendo exatamente como ele é, arrogante,adora intimidar ameaçando prender. Faz isso desde que tornou-se ministro do STF.
Parabéns e muito obrigado Ministro Rabelo. Dignidade ,decência e honestidade de caráter são raríssimas neste país.. Não compartilho sua ideologia mas respeito muito sua coerência