A vida de Adalgiza Maria Dourado | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 266

Crueldade sem limites

Adalgiza Maria Dourado, de 65 anos, presa em razão do 8 de janeiro, corre risco de morte na Penitenciária Feminina do Distrito Federal

“Onde mora a liberdade, ali está a minha pátria.”
(Benjamin Franklin)

Filha de um funcionário público e de uma telefonista, Adalgiza Maria Dourado nasceu em Brasília, em 1º de janeiro de 1960, três meses antes de a capital federal ser oficialmente inaugurada. O que jamais poderia imaginar é que o lugar que cresceu junto com ela também seria o palco do pior momento de sua vida — hoje em perigo.

Em 8 de janeiro de 2023, Adalgiza pegou a bandeira do Brasil por volta das 11 horas da manhã e decidiu ir sozinha à Praça dos Três Poderes para se juntar aos manifestantes que estavam descontentes com a situação do Brasil. Ela ficou no entorno do Congresso Nacional por aproximadamente três horas.

Sem dinheiro e com fome, decidiu voltar para casa pouco antes das 15 horas. Enquanto tentava sair do local, começou a presenciar um tumulto. Ao olhar para cima, viu helicópteros sobrevoando a região. Não deu tempo de entender o que estava acontecendo. Quando menos esperava, levou um tiro de bala de borracha em uma das pernas.

“Ela me contou que, de repente, começou a correria”, disse Célia Regina, irmã de Adalgiza. “Os policiais jogaram bombas de gás de efeito moral. Minha irmã começou a ar mal.”

Mesmo com a perna machucada e sentindo tontura, ela tentou sair do meio da confusão. Aproximou-se do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar se esconder, mas não conseguiu. “Ela viu policiais batendo em mulheres”, contou Célia Regina. 

8 janeiro
Adalgiza, ferida por bala de borracha em meio ao tumulto de 8 de janeiro de 2023, presenciou abusos policiais contra mulheres durante a confusão | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Com fortes dores na perna em razão do tiro, Adalgiza foi presa e levada à delegacia da Polícia Federal. No local, ou frio e fome. Cinco dias depois, foi para prisão domiciliar com uma tornozeleira eletrônica e ficou proibida de usar redes sociais. Em maio de 2024, teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes. À época, ele alegou que a mulher descumprira medidas cautelares. Hoje com 65 anos, Adalgiza está encarcerada na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, conhecida como Colmeia.

A dor que ela sentiu na perna no dia 8 de janeiro não se compara a outras que ela sente dentro do presídio. Adalgiza foi diagnosticada com depressão profunda. Segundo os médicos, ela tem pensamentos suicidas, crises de ansiedade, chora constantemente e sofre de arritmia cardíaca.

Os próximos 16 anos

Adalgiza piorou desde que descobriu que foi condenada a 16 anos de cadeia, por crimes como “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”. O problema com a depressão não é de agora. Sua família tem um histórico de suicídio, o que inclui uma tentativa dela própria, aos 15 anos. Os sintomas começaram na adolescência, quando os pais se separaram.

Adalgiza junto de sua família | Foto: Revista Oeste/Arquivo Pessoal

Aos 20 anos, ela se casou e teve duas filhas, que lhe deram quatro netas. O primeiro bisneto nascerá em breve. Embora sua vida tenha melhorado durante o casamento, Adalgiza enfrentou uma dura separação depois de oito anos de matrimônio. A depressão e a ansiedade a levaram ao alcoolismo. Quando tudo parecia perdido, ela encontrou a Fraternidade Assistencial Lucas Evangelista, instituição que a ajudou a livrar-se do vício. Muito grata ao lugar, ou a trabalhar como voluntária, cuidando de idosos e portadores de HIV.

Pensamentos suicidas

Na prisão, ela hoje divide a cela com homicidas e traficantes. Segundo Luiz Felipe Cunha, que integra a defesa de Adalgiza, uma dessas criminosas matou a própria filha. O advogado acionou a Organização dos Estados Americanos (OEA) para denunciar a violação de direitos humanos contra sua cliente, que não tem recebido o tratamento de saúde adequado no presídio.

Oeste teve o ao prontuário médico de Adalgiza. Em agosto de 2024, ela relatou ao médico que teve ataques de pânico em algumas ocasiões. 

Preocupado com a situação, o médico que a atendeu pediu aos agentes penitenciários que não a deixassem sozinha dentro da cela, pois haveria risco de suicídio. “A paciente perdeu vários familiares por suicídio”, relata no prontuário. “No presídio, Adalgiza planeja enforcar-se.” Além da tristeza profunda, ela contou que não consegue dormir bem em razão das más condições do colchão. 

Cunha quer que a OEA recomende à Justiça brasileira a concessão de prisão domiciliar, sobretudo porque ela corre “risco de morte”. O advogado também alega que o presídio está omitindo e desconsiderando os problemas de depressão e de comorbidades que acometem Adalgiza, apesar dos prontuários médicos.

De acordo com Cunha, os atendimentos médicos e psicológicos são solicitados desde dezembro de 2024 e autorizados pela Vara de Execuções Penais. O presídio, contudo, “se nega a conceder consultas médicas desde o ano ado”, afirmou. Se nada for feito, Cunha teme que Adalgiza possa se tornar mais um Clezão.

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7 comentários
  1. DONIZETE LOURENCO
    DONIZETE LOURENCO

    As barbáries cometidas pelo STF e nosso perdulário sistema judicial precisam de freios que pela Constituição Federal é o Senado quem pode tomar as medidas.
    Tivemos um Pacheco por 4 anos e agora um Alcolumbre para somar nada a coisa nenhuma.

  2. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    Que tormento está ando Adalgiza e sua família. Que ela seja resiliente para acreditar que isto vai ar e ela terá toda esta injustiça reparada.

  3. José Luís da Silva Bastos
    José Luís da Silva Bastos

    Se ninguém parar o tirano de toga ele vai o quiser.

  4. Teresa Guzzo
    Teresa Guzzo

    Excelente artigo, sempre que expomos uma tirania real, chegamos a verdade.A depressão é uma doença grave e se não tratada leva sim a morte. Imagine a angústia e o tormento que Adalgiza vive diariamente na Colmeia, está em um campo de concentração sem data para sair.

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