Alice Cooper sabe bem que é muito mais do que um ícone do rock. Aos 77 anos, o lendário cantor norte-americano, nascido Vincent Damon Furnier em Detroit, no dia 4 de fevereiro de 1948, impressiona não apenas pelo currículo extenso e pelo estilo gótico que atravessa décadas, mas também por sua personalidade afável, bem-humorada e surpreendentemente ível.
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Mesmo com toda a fama, a teatralidade no palco e a aura sombria que construiu ao longo da carreira, Alice mantém um jeito leve, conversador e jovial que conquista quem cruza seu caminho, seja nos bastidores ou frente a frente com o público.
Alice Cooper nasceu em Detroit, mas cresceu em Phoenix, Arizona, em um lar profundamente cristão. Seu pai era pastor, e ele próprio frequentava a igreja regularmente na juventude. Essa formação religiosa marcaria mais tarde suas reflexões sobre fama, vício e redenção.
Apesar de ter sido criado em um lar cristão, Alice Cooper sempre demonstrou respeito e proximidade com outras tradições religiosas, especialmente o judaísmo, por meio de amizades e colaborações no meio artístico. Seu empresário e produtor, Shep Gordon, de religião judaica, atua com ele desde o início da carreira, em 1968.
A identidade artística Alice Cooper, pela qual Vincent é conhecido, possui uma trajetória peculiar. Em sua origem, a alcunha pertencia ao conjunto musical que ele próprio formou, com o qual gravou diversos trabalhos. Contudo, depois do encerramento das atividades do grupo, ele decidiu incorporar o nome para sua carreira solo.
A gênese desse pseudônimo, segundo relatos, estaria ligada a um jogo de tabuleiro ou à convicção de que Furnier seria a reencarnação de uma suposta feiticeira, chamada Alice Cooper, que viveu no século 17. A mensagem, no entanto, é de bom humor.
Alice Cooper esteve no Brasil e, nesta quinta-feira, 12, participou de evento promovido pelo Projeto Pretzel Talks, na Sinagoga Beth-El, em São Paulo.
O eterno mestre do “teatro de horror” no rock entrou para o Hall da Fama do Rádio em 2025. Ele tem um programa de rádio, o Alice’s Attic. Em entrevista exclusiva a Oeste, Alice Cooper falou sobre os altos e baixos do estrelato, relembrou momentos marcantes da carreira e revelou bastidores da criação de alguns de seus maiores clássicos. Confira, com alguns trechos da palestra posterior.
Quem é Alice Cooper e como surgiu esse personagem?
A ideia por trás de Alice Cooper nasceu da percepção de que o rock and roll carecia de um vilão. Era uma era de heróis: Os Beatles eram heróis, os Stones eram heróis, todos. Eu enxerguei ali uma lacuna. Com tantos Peter Pans, era preciso um Capitão Gancho. Decidi que eu seria esse vilão, mas um vilão com um senso de humor apurado. Acredito que um vilão precisa ter um bom senso de humor.
Qual era a mensagem que o personagem Alice Cooper queria ar?
Éramos uma boa banda de rock e construímos um espetáculo teatral. No palco, Alice Cooper sempre paga o preço, a cabeça é cortada. Afinal, você não quer que o vilão vença no final. Mas, apesar do horror performático, o público está sempre rindo. Não é um terror genuíno; é mais uma comédia, e é aí que reside a diversão.
O Vincent é diferente de Alice Cooper?
Sim. Podemos ser apenas uma banda de rock, ou podemos ser algo que provoque um “uau!”. Para isso, precisei criar este personagem. Eu o interpreto no palco; não preciso ser ele o tempo todo. Hoje, por exemplo, não sou Alice Cooper. Quando subo no palco, eu sou Alice Cooper. E esse personagem é, na verdade, o oposto de quem eu sou.
Sua paixão reside mais na música em si ou no que o rock e a performance representam?
A música sempre será a prioridade. Se ensaiamos por cinco horas, quatro delas são dedicadas à música, e apenas uma hora ao elemento teatral. As partes performáticas surgem naturalmente das letras. Em outras palavras, o palco é onde as letras ganham vida. Se canto “bem-vindo ao meu sofrimento”, não apenas entoo a frase, nós mostramos o sofrimento. É como um musical da Broadway: você verbaliza e faz acontecer. Mas a música foi, e sempre será o ponto de partida.
Quais eram suas referências na infância?
Nossa geração foi profundamente influenciada na adolescência. Tínhamos 15 anos quando os Beatles surgiram. Eles são a base do rock and roll, junto com Chuck Berry., minhas referências Todos os outros vieram depois. Quando escrevíamos uma música, o padrão era tentar seguir o estilo dos Beatles, pois eles eram incríveis. Nossa geração compôs canções assim, mas as tornamos mais difíceis, mais fortes. Foi assim que o hard rock nasceu. Os Beatles eram mais pop; bandas como os Stones, Kinks, Yardbirds e The Who, por sua vez, representavam o hard rock. E foi por esse caminho que seguimos.
Você mantém amizade com nomes como Paul McCartney e Mick Jagger?
Sim, somos amigos há anos. Conversamos sobre música, sobre a vida… Com todos eles. O mais legal de alcançar um certo nível no rock é que você acaba conhecendo todo mundo. Eu bebia com John Lennon o tempo todo, frequentava clubes com George Harrison e via Ringo Starr frequentemente. Eu era mais próximo do Paul McCartney e do John Lennon do que de qualquer outro. E sim, você conhece os Stones; são ótimos, caras normais. Mas o mais curioso é quando eles te conhecem e dizem: “Uau! Isso é realmente ótimo!”. Você nunca imagina estar na mesma categoria que eles. Eles até dizem que adoram seus discos, e você pensa: “Eles realmente conhecem meus discos">“A-ha, 40 anos do primeiro sucesso”
Quando eu finalmente fui para o hospital e saí sóbrio, o pensamento me veio: e se ela não gostar de mim? E então, como ela vai me ver agora? [How you gonna see me now]? Você ainda vai amar essa pessoa que você nunca conheceu antes? Então, foi assim que essa música foi construída. Funcionou para Sheryl, funcionou para todo o público do mundo. Quase todas as baladas acabaram sendo sobre a Sheryl. Isso é incrível.
Como você, sendo cristão, sente Israel como país?
Nós fizemos apenas uma vez um show em Tel-Aviv. Sendo cristão, eu mal podia esperar para entrar em uma escola de estudos bíblicos em Israel. Minha mulher e eu poderíamos ter ado duas semanas apenas sentados lá, absorvendo tudo. Quero dizer, é tudo tão real, a intensidade ganha vida quando você entra em Jerusalém. Porque você vê todos os lugares, os locais reais. Foi uma viagem totalmente espiritual para nós. Sheryl conduzia tours por lá quando era jovem. Quantas vezes ela foi? Cinco? Quatro vezes. Desde que ela era menina, até mais velha. Mas aquela foi a primeira vez que fomos juntos, e foi uma experiência incrível. Tel-Aviv é meio que o oposto: Tel-Aviv é como Las Vegas, mas Jerusalém é outra coisa.
O hip-hop dominou financeiramente por um tempo. Como você vê o cenário atual do rock em comparação ao hip-hop e às bandas novas?
Isso pode ser verdade financeiramente. Por muito tempo, tudo girava em torno do rock and roll. Depois veio o hip-hop, e muitos shows de hip-hop são basicamente shows de Las Vegas: lentos, repetitivos, previsíveis. Eles estão perdendo espaço, e isso é ótimo para o rock and roll. Porque é nesse momento que o rock volta a ser rebelde, duro, cheio de angústia, do jeito que começou. Acho que o rock está em um bom lugar agora.
Quais bandas atuais merecem destaque?
Tem uma banda jovem da Irlanda chamada The Stripes, não White Stripes, apenas The Stripes, e eles são incríveis. Existem bandas que entregam tudo no palco todas as noites, como Green Day e Foo Fighters. Essas são as boas bandas de rock and roll, que realmente entregam um show.
Qual a importância do ego para um artista?
Antes dos shows e nos ensaios, sempre alerto minha banda: no palco, é preciso ter ego. O público espera isso. Quer que você seja maior que a vida, um estado que eles nunca poderiam alcançar. No palco, deixe o ego lá, porque você precisa dele. Se você sobe e diz “não sei se vocês vão gostar disso hoje”, o público apenas aceita, mas não vibra. Mas se você sobe gigante, cheio de atitude, eles amam isso. Eles querem isso.
Como é a vida de um astro do rock?
Quando isso acontece dentro de você? Se você perguntar para qualquer um na rua qual é o melhor emprego do mundo, eles vão dizer ser uma estrela do rock. O status de rockstar está crescendo cada vez mais. Mas, na verdade, é como qualquer outro trabalho. Eu sempre aviso: se você faz um bom disco, e faz dois, aí sim você está no negócio. Mas aí fica mais difícil. É um trabalho, você tem que se organizar, colocar o ego no lugar, controlar tudo. Se conseguir fazer isso, você sobrevive.
Como a longevidade no rock se traduz em se tornar uma lenda?
Acho que se você sobreviver [à pressão, às drogas e ao álcool], vira uma lenda. Se sobreviver ao rock and roll, com todos seus erros, foi porque algo mudou. Eu me afastei bastante do equilíbrio disso. É engraçado, quando estou em público, tudo bem. Quando estou em casa, treinando beisebol [seu esporte preferido], sendo pai e avô, as pessoas têm que me lembrar do Alice Cooper, porque eu esqueço. Mas quando começo a turnê, volto a ser o Alice Cooper.
Como foi sua jornada de superação do alcoolismo?
Quando saí do hospital, pensei: “Amanhã vai ser um inferno. Vou levantar, e vou querer uma cerveja, e vou querer um minuto”. Mas levantei na manhã seguinte, e me senti ótimo, e não procurei a cerveja. Só pensei: “Ok, bem, amanhã vai ser horrível.” Quarenta e dois anos depois, nunca tive vontade de beber nem usar drogas. Os médicos foram ótimos. Um deles disse: “Ok, isso é um pequeno milagre, porque você é o alcoólatra clássico, e você teve uma recuperação surpreendente. E eu só pensei: “Eu conheço minha força de vontade”. Eu não sou um cara de força de vontade, então foi um milagre.
Qual o seu conselho para os jovens de hoje em relação às drogas e ao álcool?
Só digo que não vale a pena. Não considero que todas as “aventuras” a partir desse vício foram benéficas. É um drama que eu não recomendo. Aconselho a tomarem cuidado e não entrarem nessa.
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